Alto, de aspecto pouco cuidado, aparentando carregar uns dez anos a mais que a conta, Patrício constata que o calor se torna ainda mais insuportável ao entrar naquele café.
Senta-se logo na primeira mesa, junto à porta.
É um café estreito e comprido. Normalmente frequentado por homens, mas, neste dia, com a visita agradável das mulheres de saias modestas e decotes discretos.
- Arranje-me uma água bem fresca, senhor... Não se aguenta com o calor, dentro da Sé! - ouve pedir, ao fundo do café.
Dá por si a percorrer com o olhar, degrau a degrau, a escadaria que tem à sua esquerda. No topo, a Sé. Imponente. Majestosa.
- Sagrada. - pensou ele.
Pede uma cerveja.
Mais uma.
O calor parece não ser atenuado pela bebida.
Em poucos minutos, a multidão amontoa-se junto à escadaria, por terem terminado as celebrações. Patrício levanta-se para ver melhor dois jovens que descem as escadas. Envergam batina preta e sapatos bem tratados. Com um sorriso nos lábios, cumprimentam quem se cruza com eles, mantendo uma postura séria mas, ao mesmo tempo, acolhedora.
Fernando acende um cigarro ao seu lado e brinca:
- Faz-lhes uma vénia, homem!
- E faria, acredita. Pelo menos, tiveram a coragem, estes rapazes. - responde, Patrício, numa voz quase muda.
- Coragem?!! Que estás para aí a falar? Já bebeste demais...!!
Num fio de voz, Patrício diz devagar: - Eu não tive a coragem de enfrentar o meu pai. De o confrontar quando me batia, quando me dizia que o seminário não enviava pão para casa, para os meus irmãos comerem...
Sem aguentar a comoção, e para que o colega não o visse naquele estado, Patrício fugiu. E deixou Fernando de boca aberta, por não entender o que ouvira da boca do seu companheiro de faina.
- Boa tarde, Sr. Patrício! - dizem, em coro, os tais jovens, de preto, ao verem-no passar. Ao contrário do habitual, ele não lhes respondeu, preocupado em esconder as lágrimas que corriam pelo seu rosto.