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Ouviu risos, seguidos de murmúrios... De novo, risos.
Instantaneamente, os seus olhos de cor esmeralda abriram mais. Não só para se habituar à fraca luminosidade daquela parte da casa que era mais velha e escura, mas também para tentar compreender como o riso tivera voltado tão cedo àquele lugar.
Entrara na casa sem se anunciar, sem bater, sem pressionar o botão que acciona a campainha. Entrara, simplesmente. Hábito que, sem saber, mantinha desde a infância, desde que aquela era também a sua casa.
Seguiu o caminho indicado pelos móveis comidos e gastos do corredor. Ao fundo, LUZ.
Ao embrenhar-se na luz que embebia a sala, viu o que nunca esperara ver. Mas, sobretudo, viu o que preferiria não ter visto.
Em silêncio, e sem que a vissem, abriu a mala branca que trazia consigo. Queria encontrar a arma, mas não conseguia.
- Por que raio temos nós de ter malas tão grandes? - pensou, irritada.
O estojo de maquilhagem caiu e elas olharam.
- Fui vista. - constatou.
Mas antes que pudessem gesticular ou verbalizar algo, Daniela DISPAROU.
Sabia que não estava correcto. Que matar não era uma prática que aprovasse. Ou, pelos vistos, que aprovasse em circunstâncias ditas normais.
Mas estava fora de si. E, além disso, gostou.
Gostou, sobretudo, de ver o seu reflexo no olhar frio e sem expressão das duas: da que amava e da que odiava; da que era sua confidente e da que era o motivo das confidências.
Se de uma esperava tudo, da outra esperava nada. E a primeira foi quem a desiludiu, foi quem amarrotou a amizade que as unia. A primeira foi a primeira que ela matou.
Roubou-lhes o olhar e manchou as mãos com o sangue. Agora, velhinha, Daniela já lavou as mãos mais que mil vezes. Ninguém parece reparar na mancha de sangue, ninguém parece vê-la. Mas ela nunca deixou de a ver, nunca a conseguiu atenuar.
E os olhos das duas continuam a espiá-la. E os risos continuam a assombrá-la.
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